VOANDO COM SEGURANÇA

Por Eduardo Hilton

 Na hora de escolher uma aeronave, além da escolha em função do tipo temos também que pensar em segurança. A escolha do avião mais veloz, nem sempre pode ser a melhor opção, pois devemos nos preocupar com a pista de que dispomos para pousar e decolar e no caso de uma pane, quanto de pista iremos precisar, qual vai ser a velocidade de aproximação para este pouso, etc.

Por isso tudo, as considerações que se seguem devem ser observadas com carinho.

Um avião que tenha uma carga alar de mais de 80 Kg por metro quadrado, tem no caso de uma pane de motor, a necessidade de ter à sua frente uma área descampada para aterrissagem de emergência muito maior que uma aeronave com carga alar de 50 Kg por metro quadrado. Isso além do fato de uma aeronave mais veloz requerer muito mais cuidados com por exemplo, com o Flutter, que pode destruí-la facilmente.

Em reportagens que têm saído em algumas revistas, pode-se perceber também a mesma preocupação com este tipo de aeronave. Preocupante por exemplo, é ver-se uma aeronave do tipo BD-10 sem um banco ejetor, nos moldes dos desenvolvidos recentemente pelos Russos para seus aviões de acrobacias. Tal dispositivo, modifica drasticamente as probabilidades de sobrevivência dos ocupantes da aeronave em caso de pane, que sem ele, seria "zero". Não restam dúvidas de que o BD-10, é um maravilhoso avião, e que voar a velocidades acima de 1000 Km/h deve ser uma grande aventura, mas as estatísticas mostram infelizmente, que modificações como a do banco ejetor, devem ser feitas, para que se torne mais belo e mais seguro, o sonho de voar

No Brasil, temos apenas um BD-5, que também é crítico no caso de um pane, devido às altas velocidades envolvidas. As aeronaves que tenham uma carga alar maior que 80 Kg por metro quadrado, devem ter toda a sua motorização aeronáutica, bem como se utilizar do maior número possível de componentes aeronáuticos, pois estes são menos sujeitos a problemas.

Outra solução pode ser a utilização do PARAQUEDAS BALÍSTICO, e este pode ser utilizado por quase todas as aeronaves experimentais, já tendo inclusive salvo a vida de mais de 150 pessoas.

Entretanto, mesmo as aeronaves mais lentas estão sujeitas a aterragens forçadas, porém com uma probabilidade maior de sobrevivência de seus ocupantes.

Em testes feitos , pela antiga NACA com o J-3 e pela NASA com aviões da PIPER, ficou demostrado que as forças existentes durante um acidente são muito elevadas. Entretanto, também ficaram evidentes algumas observações, conforme se demonstra a seguir:.

***A velocidade de pouso x ângulo de descida x Carga Alar.

Esta deveria ser a principal referência para a escolha de uma aeronave, quer seja para construirmos, ou para comprarmos.

 

De um modo geral, as normas para ultraleve, e ultraleve avançado, estão totalmente balizadas por estes parâmetros, visando sempre à sobrevivência do ocupante em qualquer que seja o acidente, pois sua velocidade de estol é baixa e propicia uma chance de aterragem de emergência com bastante sucesso.

Com uma carga alar de no máximo de 35 Kg por metro quadrado ( por determinação das entidades aeronáuticas ), e automaticamente velocidade de estol por volta dos 67 Km/h, isso para um Cl de 1.6, o ultraleve deveria ser a mais segura das aeronaves, do ponto de vista da "Velocidade de pouso x Ângulo de descida". Infelizmente a falta de doutrina no vôo faz isto não ser uma verdade absoluta.

Uma aeronave com uma carga alar de 80 Kg por metro quadrado, ( estimando Cl = 1.6 ), tem sua velocidade de estol por volta de 101 Km/h, e levando em consideração que esta deve teoricamente vir para o pouso com uma velocidade 30% maior que a de estol, a velocidade de aproximação seria de 131 Km/h. Pelo gráfico da velocidade de aproximação, no caso de uma pane, o ângulo máximo que esta aeronave teria que tocar o solo, seria de aproximadamente 18 graus, pois acima deste valor as chances de sobrevivência seriam praticamente nulas, tendo em vista a grande desaceleração envolvida, à qual estariam sujeitos os ocupantes. Se por outro lado tentássemos vir a uma velocidade mais próxima à velocidade do estol, ou a 105 Km/h, nosso ângulo de impacto poderia ser de até 45 graus, que teríamos chances de sobrevivência. Entretanto nesta situação poderemos estolar e entrarmos em um parafuso, onde neste caso o nosso ângulo de incidência com o solo seria algo em torno de 90 graus, e nossa velocidade maior que a de estol, portanto sem chances de um final feliz.

Neste caso, pontos para o avião tipo Canard, que por não entrar em parafuso, e pelo fato de seu estol variar pouco a sua velocidade, pode-se dar ao luxo de se fazer uma aproximação com a velocidade próxima desta.

 ***O banco, e cargas sobre a coluna ( mais de 50 G's em alguns casos ).

Bancos com encosto a 90 graus. É o inimigo número 1 da nossa coluna. Há alguns anos, não havia preocupação com os bancos. Entretanto estudos mostraram que era muito importante os bancos não terem a sua estrutura inferior rígida, e sim ter a sua parte inferior "frágil" de forma que nos impactos verticais esta ceda e absorva parte da energia do impacto, fazendo com que uma parte deste, que iria direto para a coluna, seja absorvida pela estrutura inferior do banco. Desta forma mesmo tendo bancos com encosto quase na vertical, minimizam o problema.

Normalmente a parte que cede do banco, é a parte traseira, e isso faz também que o ocupante não mergulhe por baixo do cinto de segurança, além do fato de que durante o acidente, as cargas incidentes sobre a coluna, são reduzidas, pois esta estará quase que "deitada" . A posição dos bancos de um foguete durante a decolagem, é praticamente deitada, visando reduzir ao máximo as cargas sobre a coluna. O mesmo acontece com o YF 16 da General Dinamics, que tem o encosto do acento, inclinado em 30 graus, permitindo desta forma uma fadiga menor ao tripulante quando em manobras com G elevado.

O banco inclinado, além de oferecer uma melhor proteção à coluna, propicia um conforto adicional, quando comparado aos bancos de encosto quase vertical.

 Vejam nos desenhos abaixo, como funciona a estrutura deformável, e as cargas sobre a coluna.

Um banco inclinado em 30 graus, tem uma redução de aproximadamente 14 % nas forças verticais de impacto sobre a coluna.

Um banco inclinado em 60 graus, tem uma redução de aproximadamente 50 % nas forças verticais de impacto sobre a coluna.

Nas aeronaves experimentais existentes que tenho visto, principalmente as de fibra de vidro e madeira, não levam este ponto muito importante em consideração, pois o seu banco faz parte da estrutura, e não existe nada para desacelerar o impacto. Algumas como o Long Eze, Dragonfly, tem na inclinação de seu banco, um ponto favorável do ponto de vista da coluna.

O simples fato de levantarmos o banco, em duas polegadas e colocarmos embaixo deste, isopor com pequenos furos de cima para baixo, apenas para permitir uma deformação, já serviria para ajudar em caso de uma aterragem forçada, pois poderia dependendo da velocidade, reduzir em aproximadamente 3 G's o impacto sobre a coluna.

Em outra palavras, se tivéssemos um banco inclinado em 30 graus, e uma espuma de duas polegadas de deformação, em um impacto de 40 G's, nossa coluna sofreria aproximadamente 9 G's a menos, ou seja 31 G's, que ainda é elevado, porém com muito menos chances de esmagamento das vértebras.

Porém no mesmo exemplo acima, com o encosto do banco a 60 graus, as cargas seriam reduzidas para 17 G's.

O Quickie tem uma inclinação de 51 graus no seu encosto, ou seja, consegue uma redução nas cargas sobre a coluna de 37%.

Não podemos no entanto ir simplesmente deitando o banco, pois teremos dificuldades na hora do pouso, a menos que tenhamos um projeto feito já levando este ponto em consideração. Veja por exemplo os planadores de alto desempenho, onde o piloto, vai literalmente deitado. Esta posição além de propiciar um grande conforto, é bom em acidentes, e melhor ainda aerodinamicamente falando, pois permite o desenho de uma fuselagem bastante aerodinâmica.

Importante é enfim, é fazer um banco com bom apoio para as costas, inclusive nas laterais.

Lembrem-se de quão importante é a nossa coluna.

 ***Os passageiros são empurrados para baixo do cinto de segurança.

Para os bancos com pouca inclinação do acento, e sem uma estrutura deformável, o ocupante tende a deslocar-se por baixo de cinto a acaba batendo na parte rígida da estrutura do painel, além de possivelmente ter danos a sua coluna.

Para evitar isso podemos utilizar o cinto de segurança de 5 pontos, o mesmo utilizados em carros de competição.

  ***A área de deformação.

As cargas de impacto são bastante elevadas, por isso, a melhor proteção, é sem dúvida nenhuma, uma aeronave confiável, onde as chances de ocorrerem defeitos, são mínimas. Isso no entanto não é a realidade da aviação experimental, nem aqui no Brasil e nem em qualquer outra parte.

Nos carros de Fórmula 1 e Fórmula Indy, existem uma estrutura que é indeformável ao redor do piloto, de forma a reduzir ao máximo as chances deste entrar em contato direto com o chão, paredes, ou objetos imóveis. Esta estrutura é feita e testada para impactos de 40 G's, onde neste caso deve permanecer íntegra a parte onde fica o piloto, isso tendo em vista que o corpo humano pode suportar esta carga por menos de 10 milesegundos. Todo o resto do carro, forma uma estrutura deformável, cujo objetivo é reduzir ao máximo a energia de impacto, permitindo desta forma que quando o seu cockpit toque um obstáculo, já tenha a sua energia reduzida a um valor bastante tolerável, de forma que as chances de sobrevivência possam aumentar.

Nos estudos da NACA chegou-se à conclusão de que 1.2 metros de área de deformação proporcionariam uma desaceleração que aumentaria muito a probabilidade de sobrevivência. Por isso o ocupante do banco traseiro de um J-3 teria muito mais chances em um acidente de sair ileso, pois até o impacto chegar nele, a estrutura já teria absorvido boa parte da desaceleração.

A madeira consegue absorver energia de deformação, até romper-se e após libera o resto da energia existente, o que não é bom em um acidente. Já o aço e o alumínio conseguem absorver energia por mais tempo. Em outras palavras, o corpo do ocupante terá maiores condições de sair ileso, pois sofrerá uma desaceleração final menor.

A fibra de vidro comporta-se quase como a madeira, entretanto pouco estudo tem-se feito nesta direção, No entanto os cockpit dos carros acima citados são de fibras de Carbono, que também se comporta como a madeira. Entretanto sua estrutura tipo composite dá uma resistência formidável ( não em deformação ).

Veja um exemplo de estrutura em fibras para proteção em casos de impactos.

 *** Queda glissada ou com uma asa mais baixa em aproximadamente 15 graus em relação a outra, reduz o impacto quase pela metade.

Outra descoberta muito importante que foi feita, é que durante uma queda, se a aeronave bater com uma das suas asas primeiro no solo, a força de impacto poderá ser reduzida em até 50%, aumentando em muito a probabilidade de sobrevivência.

Claro que durante um acidente muitas vezes, não se tem escolha de como bater, porém sei por experiência própria em acidentes automobilísticos, que o tempo que precede o impacto nos parece lento, tendo inclusive uma das vezes testado se meu cinto estava bem firme ( antes de bater na roda do caminhão em pista molhada ). Por isso acredito no avião deva ser igual, e que se houver uma chance de opção, devemos optar por baixar uma das asas, de forma a esta receba o primeiro impacto, reduzindo desta forma segundo estudos da NASA, até 50% das forças envolvidas no acidente.

 ***Barra de proteção ( Santo Antônio ) para capotamento.

Nos carros de Fórmula 1 e Fórmula Indy, existem duas barras de capotamento ( Santo Antônio ), uma atrás da cabeça do piloto, e outra que não dá para se ver, que é na coluna de direção. A montagem destas duas barras é feita de tal forma que a cabeça do piloto, nunca encoste no solo quando o carro estiver de cabeça para baixo, ou seja a linha imaginária ligando as duas barras passam por cima da cabeça do piloto. Desta forma nos é possível entender como em capotamentos existentes nestas corridas, algumas inclusive com vôos "espetaculares", o piloto tenha saído totalmente ileso.

Alguns poderiam dizer, mas isso não acontece em aviação ! Um caso recente aconteceu nos EUA com a acróbata Charlie Hillard ao pilonar com seu Sea Furies, onde perdeu à vida, devido a falta desta barra.

Ela é extremamente importante para aeronaves de asa baixa e trem convencional, onde as probabilidades de capotamento são muito superiores às de trem tipo triciclo. Esta barra também é importante quando a incidência da aeronave durante o impacto com o solo atinge ângulo superior a 45 graus, no caso de um estol a baixa altura por exemplo, onde nos ensaios ficou-se comprovado que o teto tem uma grande deformação, para baixo, em direção a cabeça dos ocupantes da aeronave por milésimos de segundos, ao ponto de fraturar a cabeça destes, e depois voltar à posição quase que normal. Com este teste foi possível entender como algumas vítimas de acidentes tiveram fraturas em suas cabeças, pois aparentemente o teto não havia se deformado.

 ***Quedas com ângulos de menos de 25 graus, reduzem as cargas de impacto pela metade.

É difícil em um pouso de emergência fora da pista, não encontrarmos obstáculos. Entretanto, se conseguirmos fazer um pouso com pequeno ângulo de incidência, ou seja, um pouso onde não haja a ocorrência do estol, as chances de sobrevivência são boas. Se pousarmos utilizando o ângulo de melhor planeio de uma aeronave, o impacto será bastante reduzido, uma vez que este ângulo normalmente é menor que 10 graus.

 ***Conclusão.

 Os pousos de emergência feitos fora da pista, são normalmente acompanhados de impactos em objetos parados ( árvores, tocos, morrotes, construções, etc ). Por isso é importante a área de deformação, ou seja, projetos de aeronaves com uma frente grande, cuja finalidade é a de absorver impacto.

Outro ponto muito importante é quanto ao cinto de segurança, que sem ele, nada do que foi exposto acima tem validade. Importante saber que o que mata, não é o primeiro impacto ( avião contra objeto ), mas sim o segundo, ( ocupante contra painel ), e o segundo quem ajuda a evitar é o cinto de segurança. Infelizmente em alguns casos o painel vem de encontro ao ocupante, e aí acontece o segundo impacto, e é por isso que na Fórmula 1 e Fórmula Indy, foi desenvolvido o seu cockpit indeformável ( teoricamente ).

Porém quase tudo isso pode ser coisa do passado ( quase, pois depende da altura do pane ) com a utilização do paraquedas balístico.