REFRIGERAÇÃO LÍQUIDA

Por Eduardo Hilton

 

O sistema de refrigeração líquida comumente utilizado nos motores automotivos nos dias de hoje, é muito mais eficiente quando comparado aos motores de refrigeração a ar. A grande vantagem de refrigeração líquida é o melhor controle sobre a temperatura do motor. Os motores atuais trabalham a temperaturas mais elevadas que seus antecessores. Isso tendo em vista a necessidade de um maior rendimento térmico. Não resta dúvida, que o motor ideal, é aquele em que não existe a troca de calor com o meio ambiente, ou seja, o motor sem radiador. Um exemplo próximo a isso, é o motor Diesel Elko que tinha um pequeno radiador, com aproximadamente 1/6 do tamanho dos atuais radiadores. Seu rendimento é bastante superior ao dos atuais motores. Entretanto, subir a temperatura interna do motor, requer componentes que suportem bem esta elevação. Nos veículos atuais, uma grande modificação introduzida, foi a cinta de aço existente dentro dos pistões nos motores. Esta cinta tem como finalidade controlar a dilatação térmica dos pistões, e com isso, as folgas entre pistão e cilindros permanecem sempre dentro de valores pré-determinados. Este fato por si só, já garantiu a possibilidade da elevação da temperatura de trabalho do motor, e com isso, seu conseqüente aumento de rendimento. No entanto, para que este aumento fosse conseguido, algo teria que ser mexido, de forma a fazer a água trabalhar mais próximo a sua temperatura de fervura. Sabe-se, por exemplo, que a água ferve a 100o C ao nível do mar, no entanto, se subirmos acima do nível do mar, a água ferverá mais cedo.

Veja a tabela abaixo, com os valores aproximados:

 

  

mb mmHg Graus Célcius Pés Metros
         
1013,25 760 100 0 0
946,59 710 98 2010 612
906,59 680 96 3228 984
853,26 640 94 4829 1471
786,60 590 92 7135 2175
733,27 550 90 8802 2683
679,94 510 88 10669 3252
626,61 470 86 13858 4224
586,62 440 84 15592 4661
546,62 410 82 16725 5098

 

Veja por exemplo, que a água na altitude de 4829 pés, ferve a 94o C. Em alguns motores a válvula termostática, que é responsável pela liberação de maior ou menor quantidade de água para refrigerar o motor, trabalha entre temperaturas de 88 a 96o C, em outros de 89 a 100o C. Depende muito do tipo e projeto do motor e fabricante. Esta faixa passa a ser maior ainda se levarmos em consideração a tolerância construtiva das válvulas termostáticas. No entanto, repare que se o motor estivesse trabalhando a uma altitude de 2000 metros, ou 6560 pés, a água contida em seu interior ferveria a aproximadamente 92o C, ou seja, estaria fervendo quando da abertura da válvula termostática, e neste caso a refrigeração do motor ficaria prejudicada.

A solução para este caso foi pressurizar o sistema de refrigeração. Ou seja, todo o sistema passa a trabalhar, com pressões maiores que a atmosfera, e desta forma a água passa a ferver mais tarde.

Isso resolveu um grande problema. E os veículos desta forma podiam ser vendidos tanto para locais ao nível do mar, como para locais onde se tenha uma elevada altitude, sempre tendo certeza, que a água não ferveria. No entanto ainda não era perfeito, pois em certos lugares o problema reaparecia.

 

Descobriu-se também, de maneira bastante dolorosa, que não era só o calor que estragava o motor. O Frio também fazia estragos, sempre que a temperatura passava abaixo do 0o C. Enquanto o motor estava funcionando, não havia problemas, entretanto ao parar, a água do sistema de refrigeração esfriava e congelava. No momento em que isso acontece, a água tem seu volume aumentado, e provoca com isso a ruptura do radiador e em alguns casos do bloco do motor, além de rupturas de mangueiras.

 

Para evitar este tipo de problema, começou uma grande pesquisa no sentido de se encontrar um produto que quando misturado à água existente no radiador resolvesse este problema. Vários foram encontrados, porém o mais indicado foi o Etileno Glicol. Suas características em relação à mistura e a temperatura de refrigeração estão colocadas abaixo, onde a %vol significa quanto de Etileno Glicol é misturado a água em relação a seu volume, e a Temp oC, se refere ao ponto de congelamento da referida mistura.

 

 

Percentagem em Volume Temperatura em Graus Célcius
   
0 -1
10 -5
20 -11
30 -18
40 -26
50 -36
60 -53
68 -69

 

O valor de –69o C é, portanto um limite para a mistura.Qualquer valor acima deste a água congelará a temperaturas mais elevadas que –69o C por exemplo  –50o C.Verificou-se, porém, que ao adicionarmos o Etileno Glicol à água do sistema de refrigeração, ocorria uma melhora em seu ponto de ebulição ( fervura ), o que se pode verificar na tabela que se segue:

            

 

TEMPERATURA DE EBULIÇÃO

PARA VÁRIAS CONCENTRAÇÕES DE

ETILENO GLICOL ( EG )

     
  PONTO DE EBULIÇÃO DA FERVURA EM GRAUS CÉLCIUS  
Concentração de EG em % de Volume Pressão atm. 1013 mb Sitema pressurizado 1030 mb
     
33 104 125
44 107 128
50 108 129
60 111 132
70 114 136

 

Nos motores automotivos, a pressão de trabalho varia de 1020 a 1035 mb ( milibares ), com um valor médio de utilização por volta dos 1030 mb. A percentagem de Etileno Glicol usada nestes motores está por volta de 40 %.

Em outras palavras, em um motor automotivo, a água só irá ferver a aproximadamente 127o C, e congelar a aproximadamente a – 26o C.

Na segunda grande guerra, onde os aviões mais rápidos  utilizavam motores refrigerados a água, a proporção de Etileno Glicol era por volta dos 30% em volume, valor este usado inclusive pelos famosos motores Merlin da  Rolls Royce.

Burt Rutan usou no Voyager o motor traseiro refrigerado a água, e um dos motivos para esta escolha, se deve ao fato deste possuir um melhor sistema de refrigeração, e ainda porque este motor tinha uma taxa de compressão por volta de 11,4:1 ao invés dos normais 8:1, conseguindo com isso mais potência disponível, o que necessariamente necessitava de uma refrigeração mais perfeita. Além deste fato, este motor poderia ficar fora de operação e depois ser dado a partida sem medo de danos por dilatação térmica. Neste caso, por estar a aeronave voando, a altitudes relativamente altas, com uma baixa temperatura local, o motor refrigerado a água sofreria menos no caso de ter que fornecer potências imediatas após ter sido acionado. O fabricante dos motores ROTAX, mundialmente conhecida no meio da aviação experimental, optou para os seus maiores, o sistema de refrigeração líquida, por entender que deste consegue obter maiores potências com uma maior durabilidade devido a um controle mais efetivo de temperatura.

Para a aviação experimental, valores de Etileno Glico entre 30 e 50% em volume, seria o mais recomendado. Entretanto, não bastam apenas, estes dois produtos, é preciso anda inibidores de corrosão, agentes estabilizantes, etc. Por isso, deve-se optar por aditivos de sistemas refrigerantes já existentes no mercado, comprados sempre em concessionárias, onde existem os apropriados para cada tipo de motor. Os outros do mercado paralelo, ou que se encontram em lojas comuns de autopeças, em um ensaio feito pela revista Quatro Rodas, se mostraram ineficientes e não possuem a quantidade indicada no rótulo de Etileno Glicol, quando não, usam apenas água pura.

Os Motores Subaru e Vortec, são dois bons exemplos com refrigeração líquida. O Subaru já existe em nosso mercado, e tende a crescer cada vez mais sendo muito utilizado nos EUA. O Vortec V6 todo em alumínio de 4.3 litros, usado na Blazer, é muito utilizado nos EUA em RV6, Velocity, Long Eze, entre outros.

Não resta dúvida que os motores refrigerados a água vão entrar na aviação, impostos pela necessidade de um maior aproveitamento energético. Praticamente todos os motores de nova geração que estão sendo desenvolvidos, como, por exemplo, os Diesel, são refrigerados a água. Além da melhor refrigeração, são também mais silenciosos, pois a água funciona como isolante acústico.

A colocação do radiador, tanto na frente como atrás do banco do piloto, esta, aliás, tem se mostrado mais eficaz, são opções que devem ser estudadas. Um artigo bastante bom, e que pode ajudar muito, para esta escolha, saiu no “Notícias Abraex” na edição número 4. Hoje em dia existe uma tendência para motores com Blocos de alumínio, como é o caso aqui no Brasil dos Honda Civic e Mercedes C190 e C160. Outros com certeza aparecerão, com pesos e potências que não devem ser descartados. Todos, porém tem a refrigeração líquida como padrão, pois a necessidade de uma maior eficiência térmica o torna obrigatório.

Na escolha de um motor, 5 ou 10 quilos a mais, não deve preocupar, claro, que para a mesma potência isso deve ser levado em consideração. Importante aqui é a relação peso/potência, do avião como um todo, e não apenas do motor que nada ou muito pouco representa.

Para uma mesma cilindrada, pode haver uma diferença aproximada de 30 HP a favor do motor refrigerado a água quando comparado ao refrigerado a ar, isso pela maior eficiência térmica.

Por este motivo, a escolha do motor deve ser bem pensada, e se a opção for pelo refrigerado à água, atenção especial deve ser dado a sua refrigeração e ao líquido de arrefecimento.

O auge dos motores a pistão foi por volta do ano de 1945, quando a guerra obrigou a todos os fabricantes a desenvolverem e construírem motores cada vez mais potentes, com maior rendimento e menor consumo. Estes motores, em sua grande maioria, todos refrigerados a água. Nunca mais na história da engenharia de motores, seu desenvolvimento foi tão acentuado, e nem mais se criou grandes motores, pois a era dos jatos estava começando. Por isso, para a nossa aviação experimental, os experimentos feitos até esta época são os mais indicados  para conhecermos e usarmos, inclusive a utilização dos sistemas de refrigeração líquida.

Nos dias atuais, o desenvolvimento da eletrônica, nos motores, tem dado uma sobre-vida a nossos antigos e antiquados motores, que ficaram quase 40 anos sem desenvolvimento significativo, salvo em materiais para sua confecção.

Assim sendo, os novos materiais, a eletrônica embarcada, os novos radiadores, aditivos para o radiador, inibidores de corrosão, novos desenhos das câmaras de combustão, novas velas de alta durabilidade, novas bobinas de alta potência, novos sistemas de balanceamento dos motores, fazem do motor automotivo e de sua tecnologia, esta aliás usada pela Renault em seu motor Diesel aeronáutico, uma boa opção para se pensar em utilizar estes motores em nossas aeronaves experimentais.

Para poderem visualizar melhor a opção de um motor refrigerado a água, vejam as figuras que se seguem:

O motor acima é um do tipo rotativo e refrigerado a água, onde o radiador pode ser visto na lateral. Este avião quando está com o capô fechado, se parece mais com uma turbina do que um motor a explosão.

 

 

Esta aeronave acima, se utiliza de um motor de 4 cilindros em linha a Diesel, sendo que seu radiador está colocado atráz do banco do piloto. Esta configuração garante um excelente desempenho em termos de refrigeração, e dependendo da disposição do radiador em seu alojamento, pode-se reduzir muito o arrasto de refrigeração. Os motores Diesel de pequeno tamanho, muito provavelmente serão os motores do futuro. De qualquer forma, os motores refrigerados a água, deverão aos poucos substituir os refrigerados a ar, tendo em vista sua maior eficiência térmica.

O desenho que é mostrado na parte de cima na página seguinte nos permite ter uma idéia do desenho que é possível de se obter na fuselagem usando um motor em linha. Deve-se observar que o sistema de redução, é bastante truncado, e não permite um desenho melhor. Fazendo um redutor mais comprido, pode-se melhorar mais ainda a linha da aeronave.

Repare também no outro desenho que está ao lado, um Dragonfly, que se utilizou do motor Subaru. Optou por utilizar este motor, depois de ter tentado usar um VW preparado. O rendimento obtido deixou o proprietário muito satisfeito, pois além de obter uma maior potência, êle também trabalha mais suave e é muito mais silencioso, o que é uma grande vantagem em longas viagens. Utilizou neste motor, dois radiadores do Rabit, da VW, que é igual o radiador utilizado pelo nosso velho Passat. A opção pelos dois radiadores, foi pelo fato do mesmo morar no deserto, e por receio optou pou um radiador a mais. O motor em qualquer regime de potência trabalha com bastante folga no que se refere a aquecimento.

 

Na montagem acima, podemos ver um motor Subaru montado em seu berço, e na sua parte traseira, o radiador.Repare que neste caso se for feito uma canalização por cima, o que obrigaria o ar vir por cima, a saída será bastante natural, e conseguentemente a refrigeração será muito boa.

Esta é uma outra opção para a colocação do radiador. Esta é uma opção menos trabalhos quando comparada a utilizada atrás do banco do piloto.

 

 

A opção mostrada abaixo e muito parecida com a utilizada pelo Dragonfly no seu radiador dianteiro. No caso destes  dois sitemas, o melhor é o utilizado pelo desenho acima, pois o ar ao entrar por um ducto pequeno, entra com uma determinada velocidade, e no local onde está o radiador, sua velocidade irá diminuir, tendo em vista o aumento de volume no local. com isso haverá conseqüentemente uma redução no arrasto aerodinâmico causado pelo sistema de refrigeração. Esta redução se deve ao fato do ar passar entre as aletas do radiador com uma menor velocidade do que a da entrada. O ar depois de passar pelo radiador, torna a acelerar para então sair na parte trazeira com a velocidade quase igual ao que entrou. Para não se ter arrasto de refrigeração, o ar de saída deveria ter a mesma velocidade quando da sua entrada.

 

 

Uma outra opção de radiador, pode der visto abaixo, onde temos um motor Subaru, com dois radiadores pequenos em sua lateral. Estes radiadores são fabricados sob encomenda, e são mais largos que o normal, para compensar o seu pequemo volume. Note que eles se utilizam de ventoinhas para auxiliar a refrigeração, Estas ventoinhas podem ser as utilizadas pelas motocicletas refrigeradas a água.

íquidos, óleo ( óleo na refrigeração, não está errado ) ou água, é sem dúvida nenhuma ,muito superior mecanicamente falando que o sistema de refrigeração a ar. No entanto, alguns cuidados devem ser tomados, entre eles, a utilização de bons aditivos no radiador, de preferência com Etileno Glicol. Outro, é onde o radiador irá ser colocado, ventoinhas auxiliares principalmente para motores com hélice que empurra ( pusher ), onde no caso de longos táxis, poderá a temperatura entrar em situação crítica, apesar de que isso também é válido para os motores a ar.

Quando escolherem seus motores não se intimidem pela água, pensem mais a frente.