PERDA DE CONTROLE A BAIXA ALTURA

por Eduardo Hilton

 

 

 

 

 

 

 

 

       

 

As imagens vistas anteriormente mostram melhor do que qualquer palavra o que é este fato. Em um momento o piloto tem aparentemente tudo sobre controle, e logo em seguida, a aeronave já está desgovernada sem chances para recuperação.

A muito já se sabe que a perda de controle a baixa altura, é uma das principais responsáveis por vitimas fatais na aviação geral. Perda de controle a baixa altura – nada mais é que o estol a baixa altura e normalmente com o início de entrada em parafuso, não dando chances ao piloto de recuperar a aeronave. Um dos motivos que isso ocorre muito facilmente, é que durante uma emergência, principalmente se sem o motor, o piloto na ânsia de chegar ao ponto escolhido para o pouso, se esquece de voar a aeronave, e com isso se descuida da velocidade, fazendo a aeronave entrar em estol e asa cair para um dos lados, iniciando a entrada em parafuso.

Se a aeronave chegasse ao solo com as asas alinhadas e sem estolar, o ângulo de ataque da fuselagem da aeronave com o solo seria pequeno. No entanto, se ocorrer à perda de controle a baixa altura, o ângulo de ataque da aeronave com o solo, será próximo a 90 graus, ou seja, quase na vertical. A grande diferença entre um e outro pode ser visto na imagem que segue;

 


O W/S á a carga alar da aeronave, ou seja, o peso da aeronave dividido pela sua área de asa, em kg/m2. Na aviação geral, mais voltada à aviação experimental, os valores mais usados variam de 50 até 80 kg/m2. Veja por exemplo, uma aeronave com carga alar de 60 kg/m2, para dar chances de sobrevivência a seus passageiros, vindo a 115 km/h, teria que tocar no solo com um ângulo de ataque máximo de 30 graus. Acima disso, a sobrevivência estaria comprometida. No caso de ocorrer um estol a baixa altura, a velocidade tende a aumentar e o ângulo de ataque com o solo também, reduzindo em muito as chances de sobrevivência de quem estiver na aeronave.

No gráfico, a área hachurada é a área de sobrevivência. Deve-se sempre procurar estar dentro desta área. A parte externa é a área de não sobrevivência. Claro que durante um evento de emergência, muitos não vão lembrar-se disso, alias, acredito que ninguém vai lembrar, mas se tiver a doutrina de “voar a aeronave” muito provavelmente se enquadrará na parte de baixo do gráfico.

Este fato, já a muito é conhecido. Nos anos 30, o Eng. Fred Weik, junto com uma equipe da NACA (atual NASA), já sabedora deste fato, iniciou uma série de pesquisas para saber como sair de um parafuso e como evitar um parafuso.

 

 

Para este estudo a NACA desenvolveu um túnel de vento vertical com 5 metros de diâmetro na região onde seria colocado o modelo a ser estudado. As figuras acima ilustram este túnel.

Nesta época, definiu-se, qual a melhor posição para o profundor, para conseguir sair de um parafuso, estudaram qual o tamanho ideal para um paraquedas de recuperação de parafuso (que para a aviação leve seu diâmetro deve ter ao redor de 1/3 da envergadura da asa, montado na parte de baixo da fuselagem para mais efetiva recuperação, essencial para aeronaves em testes de parafusos), mais tarde, posição ideal para colocar o paraquedas de recuperação de parafuso, modificações em bordo de ataque de asas, parafusos em asas enflechadas, entre outros.

Quando começaram a perceber que havia a possibilidade de não deixar a aeronave entrar em parafuso, a NASA começou uma série de investigação para ver qual era a proposta mais produtiva.

A torção de asa, muito usada pelos fabricantes de aeronaves, ajuda neste controle, mas não é suficiente para impedir desta entrar em parafuso. Fences, Slats, Slot, torções, etc, muito foi experimentado. “O Leading-edge Droop”, que nada mais é que um bordo de ataque com um degrau na asa, ou um “Stot” avançado sem passagem de ar, foi um dos mais produtivos. Desta forma se concentraram as investigações nesta que apresentava os melhores resultados. Passaram então a estudar a adição de um novo perfil no bordo de ataque da asa, de forma que este ficasse saliente a linha do bordo de ataque. A aeronave Canard, VariEze, foi uma das primeiras a testar esta modificação.

Para isso foram montadas algumas aeronaves em escala 1:1 no túnel de vento da NASA Langley. O avião Grumman American Yankee que com as modificações foi chamado de AA-1, foi o que mais se prestou para as investigações do “Leading-edge droop”. Foi nesta aeronave que mais testes foram feitos. Praticamente quase todas as definições saíram dos estudos obtidos com esta aeronave. Nesta investigação, foram testados Droop de todos os tamanhos, e nas mais diversas posições. Foram também testados flaps de bordo de ataque, junção da asa com Droop, fence longa, fence curta, extensão de corda com degrau, stall stripe, etc. Depois de constatado a eficiência do Droop, estudou-se modificações em seu tamanho também. Fora isso, foram testadas também configurações onde na mesma semi-asa, haviam dois Droop, um afastado do outro, com tamanhos bem variados. Uma opção interessante testado, foi a colocação de uma carenagem no degrau do Droop, de forma a fazer sumir o degrau, porém os resultados não foram os mesmos, mostrando que o vórtex criado por este degrau, é parte importante nos resultados.

Este Grumman AA-1 pode ser visto na figura que segue, em sua montagem dentro do túnel de vento.

 

 

Na imagem que segue, pode-se observar o Velocity e logo após o Canard VaziEze do Burt Rutan, cuja configuração foi base para outra aeronave que ganhou o título como a primeira aeronave à prova de entrada em parafuso, sem se utilizar de bloqueios nos comandos como o Ercoupe.

No VariEze pode-se observar na ponta da asa, uma modificação em seu bordo de ataque. Esta modificação ajudou, por exemplo, a redesenhar a ponta de asa dos Velocitys. Esta nova ponta de asa, resultou de um estudo mais profundo do projetista do Velocity, o Dan Maher, que na época usou uma carreta e fez um dispositivo onde deixava o avião montado sobre ela, chegar a ângulos maiores que 45 graus, procurando simular o dito “deep stall” ou estol em grandes ângulos de ataque. A principal parte do estudo se baseou na utilização do Droop, porém depois percebeu que não necessitaria do degrau, mas apenas do perfil do Droop modificado. Este perfil lembra os perfis usados pelos novos Cessnas, onde logo após o bordo de ataque, na parte de baixo da asa, a sua superfície entra para dentro. O Velocity, no início de sua vida, teve pelo menos 4 Deep Stall, ou seja, estol da asa traseira e sem recuperação. Com esta modificação o problema foi sanado, se tornando hoje uma das mais belas e boas aeronaves do mercado de experimentais, sendo inclusive um dos modelos, bimotor. O Velocity pode ser visto a seguir, logo após o VeriEze.

 

 

O Leading-Edge Droop, ou simplesmente Droop, é normalmente montado no bordo de ataque da asa, conforme mostra a figura que segue. (Esta montagem foi a que se mostrou mais promissora.)

As medidas que seguem, foram usadas no Grumman e no Beech com o mesmo perfil de asa.

 

 

O Droop possui um perfil com características para retardar o estol. Soma-se a isso o detalhe do degrau, que faz gerar uma vórtex que provoca um “isolamento” da parte externa da asa com a parte interna da asa, ajudando a reduzir a perda de sustentação que normalmente ocorre na ponta das asas.

O Droop não foi testado apenas nesta configuração, mas em diversas combinações. A configuração mostrada acima é a “Modificação B” do estudo, e a que se mostrou mais afetiva para o objetivo que se tentava conseguir.

Uma das configurações consistiu em usar o Droop na asa inteira. O estol da asa apareceu bem mais tarde, fazendo a sustentação da asa aumentar e como consequência a aeronave pousaria com menor velocidade de estol. No entanto, como a sustentação subiu bem, o estol, se apresentou de maneira bastante abrupta, ou seja, quando ocorria a perda de sustentação, era de maneira bastante severa, e, portanto, totalmente contra os objetivos desejados, que era evitar o estol e a entrada em parafuso da aeronave.

 Além do Grumman, com asa baixa e retangular, outras aeronaves foram testadas com o Droop, um Cessna 172, com asa alta, afilada na ponta e torção, um Beech Sundowner com asas retangular e torção de asa, e um Piper Arrow com a cauda em “T” (o Corisco no Brasil), com a asa baixa, afilada na ponta e torção de asa. Mais tarde, o Droop resolveu o problema do Questair Venture, e permitiu a homologação do Cirrus e Lancair Columbia, como totalmente a prova de entrar em parafuso.

As figuram que seguem mostram ensaios em asa sem Droop e a asa com Droop para o Piper Arrow.

 

 

  

 

 A primeira asa que está na figura anterior está com 30 graus de ataque e a de baixo, 35 graus. No primeiro caso, a asa está totalmente estolada apesar de estar com menos ângulo de ataque que a asa que está logo abaixo. No segundo caso, em função da adição do Droop e seu degrau, formou-se um vórtex que isolou a parte interna da asa com a parte externa da asa. Com isso a região onde se encontra os Ailerons permaneceu ainda atuante. Desta forma, estaria estolada apenas a parte de dentro da asa, permanecendo os ailerons com efetividade, não deixando a aeronave entrar em parafuso. O Droop nesta configuração provocava um arrasto bastante pequeno e era responsável pela perda de apenas 2 mph na velocidade final da aeronave, praticamente insignificante principalmente em relação dos benefícios auferidos.

 

Após os testes de túneis de vento, foram feitos os testes de voo nestas aeronaves. Arrow acima.

 

O Cessna 172 também foi testado com Droop.

 

Durante os testes, o Grumman AA-1, sem o Droop, de 193 tentativas de coloca-lo em parafuso, 185 vezes ele entrou, ou seja, 96 % das vezes. O Beech Sundowner sem o Droop, de 129 tentativas, entrou em 127 vezes, ou seja, 98 % das vezes. O Piper Arrow sem Droop, de 209 tentativas, entrou em parafuso 173 vezes, ou seja, 83% das vezes. O Cessna 172, sem Droop, de 164 tentativas, entrou 97 vezes em parafuso, ou seja, 59% das vezes.

Estes mesmos aviões, depois de adicionado o Droop, apresentaram os seguintes resultados.

O AA-1, de 31 tentativas não entrou nenhuma vez em parafuso. O Beech Sundowner de 134 tentativas entrou em parafuso 7 vezes, ou seja 5% das vezes. O Piper Arrow, de 244 tentativas entrou 13 vezes em parafuso, ou seja, 5% das vezes. O Cessna 172, em 36 tentativas, não entrou nenhuma vez em parafuso.

Com isso fica claro o benefício obtido com o Droop. O Grumman foi sem dúvida o mais estudado, e como consequência não entrou nenhuma vez em parafuso. Desta forma pode-se concluir, que com um pouco de paciência e estudo, pode-se fazer um avião a prova de entrar em parafuso.

O Questair Venture, por possuir uma asa com muito alongamento, e por possuir uma característica de ter um estol bastante  abrupto, podia entrar em parafuso mais facilmente, por isso o Droop usado neste caso, teve que ser mais elaborado e obteve grande êxito.

 

 

No Questair Venture, enquanto a ponta da asa estava estolando com 19 graus, o centro dela estolava com 14 graus, corrigindo desta forma o problema que ele tinha e o estol a partir desta modificação se iniciava sempre no centro da asa.

As coordenadas do Droop no Beech são as que seguem, e a montagem do Droop na asa pode-se ver na figura que segue. Esta mesma coordenada foi usada no Grumman assim como o perfil da asa. No Grumman não tinha o Stall stripe, de 9 polegadas mostrada no desenho.

 

 

 

No gráfico que segue, a configuração chamada de “Asa Básica + Droop “B” “, é a configuração idêntica a mostrada no desenho utilizado para a aeronave Beech Sundowner (sem o stall strip), e a configuração “Asa Básica”, é da mesma asa, porém sem o Droop. Estes valores, no entanto são verdadeiros para o Grumman AA-1. Vale observar que para a curva da “Asa Básica + Droop “B” “ a sustentação permanece constante com o aumento do ângulo de ataque, o que não acontece para a curva da “Asa Básica”, mostrando ai claramente que existe um grande benefício ao se utilizar o Droop nesta configuração.

 

 

Na figura que segue, é possível ver o gráfico da estabilidade característica auto rotacional, onde o ideal seria a aeronave ter sua curva característica, permanecendo sempre na parte superior a linha de 0, ou seja, na parte “Estável” do gráfico.

Na “Asa Básica”, após 20 graus de ângulo de ataque, no gráfico, entra na parte instável deste. O mesmo não acontece com a configuração “Asa Básica + Droop “B” “, onde durante todo o tempo, permanece na parte “Estável” do gráfico.

Novamente aqui, pode-se perceber o benefício da utilização do Droop.

 

 

Tendo em vista estes dados, O Lancair Columbia 300 e o Cirrus SR20, foram às primeiras aeronaves de pequeno porte homologadas como sendo a prova de entrada em parafuso. O Ercoupe, também não entrava em parafuso, em função de limitações em seus comandos. Ocorre que em alguns casos, modificações feitas sem autorização na aeronave, retirando estes limites, acabaram provocando alguns acidentes. No caso do Cirrus e Lancair, esta modificação é praticamente imutável, pois está agregada na forma da asa, e, portanto sem chances de modificações simples.

Em 1991 a Federal Aviation Regulations (FAR) Part 23, já incorporava oficialmente os critérios para a certificação de aeronaves resistentes a parafusos.

Foi justamente a aplicação do Bordo de ataque descontinuado (Droop) que permitiram isso, sendo que praticamente tudo começou com o estudo realizado em Langley com a aeronave VariEze de Burt Rutan. Mais tarde o Laser 300, foi um dos primeiros estudos da NASA em cooperação de programas da indústria a também homologar uma aeronave resistente à entrada em parafuso. Esta aeronave, no entanto, não foi produzida industrialmente. Ela pode ser vista na imagem que segue, reparem o Droop na ponta da asa.

 

 

Várias outras aeronaves vieram depois para estes estudos, onde a finalidade era a não entrada em parafuso.

Em 1998, usando o Droop, o Lancair Columbia 300 e o Cirrus SR20 receberam a certificação FAA usando o requerimento de certificação de aeronaves resistentes à entrada em parafuso.

 

 

Cirrus SR 20

 

Lancair Columbia 300

 

Não restam dúvidas que esta nova regulamentação veio para ficar e mudar as estatíscticas de forma significativa onde mostra que uma das maiores causas de fatalidade em acidentes aeronáuticos da aviação geral e a perda de controle a baixa altura ( entrada em parafuso a baixa altura).