KR, UMA BOA OPÇÃO PARA A REALIDADE BRASILEIRA.

Por Eduardo Hilton

Caro Laerte Gouvêa,... é assim que eu inicio uma carta em janeiro de 1995 para um dos responsáveis daquela que foi sem dúvida nenhuma, uma das melhores publicações voltadas para a aviação esportiva e experimental já existente no Brasil, a Sky Dive e posteriormente a Air Sports. Netas carta,  parabenizo a revista pelas ótimas reportagens, principalmente por aquelas escritas pelo “Mestre” Fernando de Almeida. Mais a frente em um outro comentário faço a seguinte menção, “...o KR-2S por exemplo, é um projeto ideal para a realidade brasileira, porém necessitaria de algumas alterações, tais como a largura dos ombros, a empenagem e o tamanho da cauda...”

Nesta época, estava bastante ligado as aeronaves tipo Canard, as quais considero-as excelentes tecnicamente falando, principalmente pelo fato de não entrarem em parafuso durante uma situação de emergência. A pouca experiência que tive em “levar” este tipo de avião, o Long Eze do Andre e o Vari Eze do Tonka, me mostraram que são extremamente dóceis, e mais, fiquei impressionado que com uma simples pressão da mão no “side stick” o avião ia para o lado desejado, era quase como pensar e ir, bem diferente de um Cherokee, que era o avião que na época eu voava. É um avião que qualquer criança conseguiria voar, é muito intuitivo. O KR nesta época não passava pelos meus planos, mas já o tinha com a aeronave ideal para a realidade brasileira, escassa de recursos aeronáuticos a disposição do construtor amador.

Passaram-se quatro ou cinco anos desta carta. Vários colegas cogitavam em construir o KR-2S. Ele no entanto tinha diversas deficiências e isso incomodava algumas pessoas, inclusive nos EUA. Por lá, o Mark Langford, já tinha decidido mudar seu projeto e ainda hoje é referência nas modificações que vem fazendo. No Brasil, dois futuros construtores, João Marcos e Luiz Davighi,  acompanhavam com interesse estas modificações, pois vinha de encontro as suas necessidades. Foi nesta época que vieram me procurar para que modificasse o projeto do KR, principalmente para que se sentissem confortável dentro da aeronave., uma vez que o KR-2 e o KR-2S era muito apertado para dois adultos. Uma criança e um adulto iria bem.

É comum ver pessoas criticando detalhes de fabricação de carros, motos e até aviões, sem saber o que motivou os engenheiros responsáveis a terem optado por aquela solução. Ciente de que seria importante conhecer o que se passava na cabeça do projetista Ken Rand, pai do KR-1, KR-2 e posteriormente KR-2S ( e também do anfíbio KR-3) passei a pesquisar os seus projetos.

Em um ótimo artigo escrito por Neil Bingham, ele comenta que Ken Rand anunciava com as seguintes características, o seu novo projeto, o KR-2.

No decorrer dos anos o motor deste projeto foi mudado para 2100 e 2200 cilindradas. Com isso os dados de velocidade melhoraram. Mantendo a aeronave dentro das caracerísticas de peso da tabela acima mencionada os valores obtidos foram as da tabela que segue.

Usando uma hélice Sterba de 52 x 52 foram obtidos dados de 175 mph a 3600 rpm e 160 mph a 3250 rpm.  Entretanto estas não são as rotações usadas normalmente nestes motores, e sim 3000 e 3400 rpm. Desta forma as velocidades reais alcançadas passariam a ser 160 mph a 3400 rpm e 148 mph a 3000 rpm. ( A IAS é a velocidade indicada lida diretamente no “air speed indicator” ).

Em julho de 1996, Troy L. Patterway, com seu KR-2 que dispunha de 65 hp disponíveis na rotação de trabalho, ganhou o primeiro lugar em uma corrida em Sun´s Fun, obtendo a média de 157 mph, num percurso de 2 horas e 21 minutos. Ocorre no entanto que estas velocidades foram obtidas apenas com o piloto a bordo, sem o passageiro, ou seja com aproximadamente 360 quilos de peso durante o vôo. O peso vazio da aeronave ultrapassou o limite estipulado pelo projetista, nas suas primeiras previsões. No que se conclui que o KR-2 é um avião para voar mono, e não um biplace, pois ao adicionar mais um passageiro com 85 quilos o peso passaria para 445 quilos, aproximadamente 40 a mais do que recomenda a planta. É exatamente a esta a conclusão que chegou de um piloto agrícola aqui do Brasil e proprietário que um KR-2 após alguns vôos com a aeronave. Claro que é sempre possível fazer o avião dentro dos valores inicialmente apresentados no projeto inicial.

Esta aeronave, o KR-2, tem sido montada no Brasil com o seu peso vazio por volta dos 290/320 quilos, com isso, ao se colocar duas pessoas a bordo, e mais combustível, este peso fica por volta dos 510/530 quilos, muito além dos 408 quilos especificado na planta do projeto e também dos 366 que inicialmente foi apresentada a aeronave. Este fato trás consigo duas grandes preocupações, a primeira é o CG que recua muito e a segunda e a estrutura que não foi dimensionada para isso. O fato do CG correr para trás, resulta em uma instabilidade principalmente a baixa velocidade, justamente no momento mais crítico, o pouso. O recuo da empenagem com o conseqüente aumento da cauda e um aumento na empenagem horizontal poderiam ajudar neste problema. Este acréscimo de peso, traz a velocidade para algo ao redor de 135 e 145 mph.

Tendo em vista vários problemas de estabilidade ao KR-2 nos EUA, sua cauda foi aumentado e passou a se chamar de KR-2S. O KR-2S é uma aeronave mais madura e mais dócil, sendo o KR-2 mais indicado para voar mono. O primeiro KR-2S a voar foi o do Roy Marsh´s com um motor se 2180 cilindradas e 76 hps declarados pela Revmaster, renomado preparador de motores da época. Segundo informações da época, esta aeronave teria cruzado a 180 mph a 3000 pés e 3400 rpm (TAS) com 165 mph indicada, com uma hélice de 54 polegadas de diâmetro e 52 polegadas de passo. Estes valores entretanto são difíceis de serem aceitos, pois para esta velocidade e rotação seria necessário uma hélide de 56 polegadas de passo, e isso pode ser visto no cálculo que aparece a seguir.

 

 O mesmo cálculo porém levando em consideração a hélice que ele estaria usando, com passo de 52 polegadas, mostrou que a velocidade cairia para 152 mph indicadas conforme é possível visualizar no cálculo estimativo que segue.

 Desta forma, os valores mostrados podem não representar a verdade, e mesmo esta velocidade, de 152 mph, tendo em vista os 76 hps  disponíveis, talvez só fosse alcançada com a aeronave levemente picada, porém ela poderia sim acontecer. A velocidade cruzeiro indicada para os KR-2S no Brasil, varia de 125 a 135 mph (IAS).  O KR-2S indica como peso máximo 445 quilos. No entanto aqui no Brasil, este aumento da cauda, modificação na ponta da asa, trem triciclo e outros, acabaram elevando seu peso, e com isso, passam a voar com o peso máximo por volta de 530/570 quilos, bem mais portando que os 445 recomendados. Este peso adicional se deve também ao fato de que no Brasil se usa o Feijó no lugar do Spruce que é mais pesado, mas também é mais resistente. Neste ponto chega-se a conclusão que o motor do VW já não é suficiente. A esta mesma conclusão chegou o Mark Langford, que atualmente constrói um KR com uma nova motorização, um Corvair com 110 hp. Além desta modificação, o Mark Langford também incrementou um acréssimo da área da empenagem horizontal, com um novo perfil e um novo perfil também na asa.

Agora, conhecendo melhor a história do avião, já é possível conhecer melhor a mentalidade do projetista. O Ken Rand, possuía 61 quilos e era uma pessoa de porte pequeno, fez o avião pensando nele e para ele. Dentro do seu conceito de avião, o fez muito bem, e com uma forma contrutiva muito inteligente, porém, com certeza, não pensou em faze-lo, com preocupação em quem fosse voar com o avião no futuro. O manequim americano é maior que o manequim brasileiro, e se o KR tivesse sido feito pensando no manequim americano, ficaria ótimo para o brasileiro, mas com certeza não voaria tão rápido. Com isso é possível entender as modificações que estão sendo feitas pelo Mark Langford, e que são bastante lógicas. A solicitação feita pelo João Marcos e Luiz Davighi seguem a mesma tendência do projeto americano, onde o conforto interno e de pilotagem são priorizados visando sempre voar com dois a bordo normalmente.  Foi desta forma que surgiu o projeto KR-EH, onde a forma construtiva do KR foi mantida. O objetivo deste projeto é atender as seguintes necessidades:

Conforto para dois adultos no “cockpit”. Neste ponto a largura na altura dos ombros passou a ter 1100 mm internos no lugar dos 860 mm originais do KR.

 

KR-EH cockpit com 1100 mm internos na altura dos ombros

Para a asa foi escolhido um novo perfil, o GA 42E215, que substituiu o RAF 48, objetivando reduzir o arrasto e diminuir os momentos e com isso compensar a maior largura da fuselagem.

Para melhorar a estabilidade em arfagem o perfil da empenagem foi mudado e a sua área recalculada, passando ser bem maior.

O trem de pouso também foi redimensionado para o novo peso e passou a ser mais robusto aceitando melhor,  pistas de terra e grama muito mais comum no Brasil que nos EUA.

Com isso, ouve um aumento no peso e uma nova motorização se faz necessário. A motorização optada foi pelo motor AP2000 de 116 hp, onde para auxiliar a decolagem, será usado um turbo compressor, o que garantirá entre 140 e 150 hp apenas nesta fase do vôo. Para compensar estas novas opções do projeto a estrutura foi redimensionada.

Uma opção com asa maior e flap também foi projetado, visando se adequar melhor as normas brasileiras, e um exemplar deste, o KR-EH AC pode ser visto a seguir.

KR-EH AC do Junior de Fortaleza

Procurou-se desta forma, aproveitar a forma construtiva e as opções de materiais do KR que são bastante bons para a realidade brasileira.

A ilustração que segue mostra um desenho em três vista do KR-EH e do KR-2S e nas fotos seguintes pode-se perceber a semelhança dos dois projetos, do KR-EH e do Mark Langford que acabou servindo de base para o desenvolvimento do KR-EH, apesar deste último usar perfis diferentes, longarinas mais robustas e trem de pouso mais robusto.

Desenho em três vistas do KR-EH e do KR-2S

KR-2S modificado pelo Mark Langford nos EUA

KR-EH

Atualmente em eventos aeronáuticos, praticamente não se vê muitas aeronaves feitas em casa. Elas existem, mas são normalmente aeronaves feitas para propiciar lazer próximo ao aeródromo onde está sitiada. Aeronaves mais rápidas, normalmente vêem na forma de kit dos EUA e são montados por aqui, porém se restringem a algumas unidades. Os KR construídos a partir de kits importados e com motorização feitas também a partir de peças importadas, têm se mostrado confiável e podem fazer viagens com bastante tranqüilidades, entretanto, não costumam freqüentar eventos, talvez pelo pouco conforto propiciado com 2 a bordo. Existem 3 ou 4 KRs feitos a partir de peças importadas inclusive peças do motor e que voam bem e tem condições de fazer pequenas viagens. Outros, feitos com materiais nacionais, e principalmente com peças de motor compradas internamente no Brasil, onde ainda infelizmente não possuem o mesmo grau de desenvolvimento das peças americanas, não dão a mesma confiança a seus proprietários. Esta nova geração de avião, o KR-EH, usando motores AP 2000, Subarus 2.2 e 2.5 e ainda motores aeronáuticos, devem propiciar condições de vôo mais tranqüilos e a maiores distâncias, o que trará de volta a eventos, aeronaves feitas literalmente em casa, trazendo para os amantes desta aviação um novo incentivo a esta construção.