CRIANDO UM PROJETO

Por Eduardo Hilton

Meu sonho é o de construir uma aeronave de acordo com a realidade brasileira para a aviação experimental, e isso inclui principalmente a motorização.

Portanto meu ideal continua sendo um modelo que inclua:

1- Configuração tipo Canard, pois a acho extremamente elegante em vôo, além desta configuração ser bastante dócil.

2- Motorização a um custo "viável". ( Motor novo e barato .)

3- Utilização de dois motores para chegar a uma confiabilidade próxima a um motor aeronáutico.

4- Eliminar a VMC, tradicional nos aviões bimotores.

5- Minimizar o arrasto, principalmente por ser um bimotor, e por ter mais dois corpos para serem arrastados ( naceles do motor ).

6- Ser de quatro lugares.

7- Ter pára-quedas balístico.

8- Ser IFR.

9- Ter autonomia para 10 horas.

10- Eliminar a traseira "truncada", que gera arrasto, tradicional dos Canards.

Após definir os parâmetros em 1990, passei a estudar desenhos e configurações de forma a iniciar meu projeto, e o que segue abaixo, é um descritivo, do que pesquisei, os problemas que teria pela frente, as soluções que encontrei, e o que já está sendo feito, para tornar realidade o sonho , que, apesar de ser em conceitos "Rutaneanos " de configuração, tem quanto ao restante do projeto, uma concepção genuinamente brasileira.

Aeronave de quatro lugares, na configuração Canard, bimotor no interior da fuselagem, hélices coaxiais contra-rotativas.

A idéia da motorização foi minha, e não copiei de ninguém, e nem sequer tomei como base algum outro projeto.

No entanto achei difícil de apenas eu ter uma idéia assim tão boa. Não era possível que só eu fosse perspicaz o bastante para ter tão feliz idéia. Desta forma decidi pesquisar para ver o que já existia no mundo, nesta concepção que adotei, e ainda sobre as hélices contra-rotativas, e saber assim o que realmente acontecia pois não tinha conhecimento de nada parecido.

Segue abaixo um pouco do que encontrei:

 1911 - O francês Deperdussin projetou e construiu um Canard com motor central e hélices coaxiais contra-rotativas. Não se tem idéia de como voou a aeronave.

1934 - O italiano Mário Castodi desenvolveu um hidroplano, no qual colocou dois motores em tandem acionando hélices coaxiais contra-rotativas. Atingiu a velocidade de 440.8 MPH, que permanece até hoje como recorde de velocidade para esta categoria de aeronave.

1938 - A Lockheed testou uma aeronave ( Unitwin Starliner ) com dois motores lado a lado acionando uma só hélice. A aeronave voou muito bem e teria sido levado avante o projeto para a produção em série, caso os pedidos militar não fossem tão grandes.

1940 - Northrop XP-56 voou com hélices coaxiais contra-rotativas. Foi um sucesso.

1941 - Northrop XB-35 voou com 4 motores de hélices coaxiais contra-rotativas. Posteriormente a motorização foi substituída por turbinas, pois estas estavam começando a aparecer e o exército assim desejava.

1943 - Mike Badrocke MB.5, hélices coaxiais, contra-rotativas, voou bem, e foi abandonado por causa das turbinas

1944 - Boeing XF8B-1, hélice coaxiais contra-rotativas, voou bem, foi abandonado a favor das turbinas.

1947 - Spitfire Seafang F.32, hélices coaxiais contra-rotativas, voou bem, porém foi abandonada em função das turbinas

1954 - Convair XFY-1 Pogo, usava duas turbinas que acionavam uma caixa de transmissão e esta acionava uma hélice coaxial contra-rotativa. A aeronave voou bem, porém para o pouso vertical, o piloto ficava numa posição bastante incômoda e a visibilidade para o pouso era pobre.

1950 - Douglas A2D Skyshark, hélice coaxial contra-rotativas, voou com relativo sucesso, porém devido às elevadas potências era comum problemas nas caixas de redução. Foi abandonado a favor das turbinas puras.

1955 até os dias de hoje - Tupolev Bear, um gigante quadrimotor com hélices coaxiais contra-rotativas que voava até há pouco tempo.

1980 - Lear Fan 2100, duas turbinas acionando uma só hélice. A aeronave foi um sucesso, e só não foi para a frente devido ao falecimento de seu projetista.

1996 - Soloy Dual Pac Caravan, duas turbinas dentro da fuselagem acionando uma só hélice, voando com sucesso, em fase de homologação. TBM 700 observando com atenção.

Isso é apenas uma parte do que encontrei. E eu que cheguara a me julgar o previlegiado dona da idéia, baixei o vôo da elevadíssima auto-estima e bati no chão duro da realidade.

 Ainda no livro escrito por A.C. Kermode, mecânica de vôo com 644 páginas da Editora Paraninfo, sobre as hélices contra-rotativas ele comenta:

"Os pilotos que já voaram atrás de hélices coaxiais contra-rotativas, informaram que a aeronave era fácil manobrar, e sem tendências, na decolagem, vôo e pouso, e ainda, não se conformavam de não terem até então, percebido o quão perniciosos eram os vícios de uma aeronave com hélice de um só sentido de rotação."

Neste ponto já estava decidido a levar minha idéia em frente, pois agora mais que nunca parecia viável.

 Assim sendo daqui para a frente comento o projeto.

1- Limpeza aerodinâmica.

A configuração com os dois motores embarcados na fuselagem, é bem mais limpa quando comparados com a dos motores nas asas. Veja-se a diferença entre a figura 1 e a figura 2. Na figura dois, os motores teriam sua potência reduzida em aproximadamente 15%, uma vez que esta potência seria necessária, para "carregar" o arrasto proveniente destes dois motores externos. Importante lembrar, que com os motores nas asas temos quatro arrastos para levar a saber; a fuselagem, as asas, e os dois motores, ao passo que na configuração adotada, temos somente dois arrastos, a fuselagem e as asas.

2- Motorização automotiva.

 A utilização dos motores utilizados pelo Santana, ou seja Volkswagem refrigerado a água, de 2000 cilindradas, deve-se ao fato destes serem em linha, o que possibilita a montagem que desejo. Estes motores possuem 116 HP a 5400 RPM, e um torque máximo de 18.5 Kgm a 3400 RPM, e sua potência a 3400 RPM é de 88 HP, sendo portanto adequado ao que necessito, pois como a idéia é voar a 3600 / 3800 RPM a sua potência neste caso ultrapassa aos 90 HP.

Os motores aeronáuticos possuem uma durabilidade sem dúvida nenhuma superiores a qualquer motor automotivo, sendo no entanto seu preço bastante proibitivo para a aviação experimental. Um motor de 230 HP, tem seu preço por volta de U$ 35000.00, sendo que dois motores VW 2000 cc, custam aproximadamente R$ 8600.00, prontos para o avião, e cada motor destes parcial OK, na revenda, custa R$ 1500.00 ou seja, mesmo eu trocando os dois motores a cada 500 horas, ainda assim ficaria mais barato do que um aeronáutico, isso para 2000 horas.

Para o motor ser confiável, este será quase totalmente original, evitando desta forma perda de durabilidade por envenenamento.

 Veja na figura a seguir o esquema simplificado da montagem.

3- Bimotor

 Esta configuração visa de certa forma, compensar a menor confiabilidade do motor automotivo. Nesta configuração por estarem os eixos no mesmo alinhamento, não haverá torque assimétrico no caso de pane em um dos motores.

O torque que facilmente pode ser sentido em aeronaves com potência elevada nas decolagens, não será sentido neste tipo de configuração, pois as hélices contra-rotativas, eliminam este problema. A VMC neste caso é a própria velocidade de estol.

4- Problemas e soluções na hélice/motor

 a- Na configuração "pusher", ou seja hélice atrás, por estar a asa muito próxima desta, existe uma vibração proveniente de um "tapa" que esta recebe do ar, ao passar pelo bordo de fuga da asa. Este tapa, pode fadigar e levar a ruptura de hélices feitas em alumínio, ou então provocar vazamentos e danos no mecanismo de acionamento do passo de uma hélice de velocidade constante ( veja a figura 3 ).

Desta forma a solução mais simples é a opção pela hélice de madeira, onde a fadiga é inexistente, motivo pelo qual todos os Long-eze, Cozy, etc., a utilizam.

O Speed Canard utiliza uma hélice tri-pá que suporta estes inconvenientes, a um preço bastante elevado.

b- Duas hélices de madeira, com passo fixo. No caso de pane em um dos motores, por não ter passo bandeira, existirá um arrasto bastante elevado que o motor operante terá que levar. Para isso cada motor contará com um turbo alimentador regulado em apenas 1.3 Kgf/cm2, o que dará uma potência de emergência de 30%, ou seja, passa de 116 Hp para 150 HP. Como a pressão é pequena, e usada poucas vezes ( pode ser usada na decolagem ), em quase nada afetará a durabilidade do motor, a menos que esta potência seja usada por muitas horas seguidas.

No caso de quebra das duas correias sincronizadoras "Poly Chain", de Kevlar, ou do motor parar, existe um disco de freio que se encarregará de travar esta hélice, evitando esta virar em Molinete, e causar um arrasto muito grande.

PS: No caso de quebra de apenas uma correia Poly Chain ( cada motor leva 2 correias ), a outra sozinha segura o motor. Cada correia suporta 180 HP ( passo de 14 mm e largura de 68 mm ), suficiente portanto para segurar a potência de 150 HP de um dos motores com 1.3 Kgf/cm2 de pressão no turbo.

 c- Para ser possível a colocação de eixos de prolongamento entre o motor e hélice ( visando a melhoria aerodinâmica da aeronave ), existe uma embreagem, que torna possível isso, sem que se tenha ruptura do eixo, provocada pela aceleração e desaceleração das "explosões" nas cabeças dos pistões do motor. Esta mesma embreagem é que será a responsável pelo desacoplamento da hélice no caso de travamento do motor. Dai a necessidade do disco de freio.

 d- A hélice dianteira em relação a frente do avião, deverá ter o seu passo menor que a da traseira, uma vez que com a aeronave em vôo, a hélice dianteira recebe o "ar" na mesma velocidade que a aeronave estará se deslocando, ao passo que a segunda receberá a "ar" já acelerado pela primeira hélice, advindo daí a necessidade de passos diferenciados.

 e- Os motores serão turbinados, com três pressões preestabelecidas para uso, 1, 1.3 e 1.5 Kgf/mm2 . 1 Kgf/mm2 ( o mesmo que sem turbo ), 1.3 Kgf/mm2 que será utilizado apenas na decolagem de forma a poder compensar as hélices de passo fixo que estarão reguladas para vôo cruzeiro, e portanto faria com que a aeronave tivesse uma pobre decolagem sem este artifício. Esta posição de pressão também poderá ser acionada caso necessário, no caso de pane de um dos motores, e finalmente, 1.5 Kgf/mm2 que serve como emergência, como por exemplo pista curta, grama alta, emergência em decolagem, etc.

5- Cuidados com o motor

 a- O motor possui radiador e ventoinha de refrigeração, e em hipótese alguma pode atingir temperatura fora do normal mesmo com toda potência sendo aplicada ainda no chão ( lembrem-se, configuração pusher ). Isso garantirá uma decolagem segura, pois este é o único momento em que a temperatura será crítica.

 b- Existem dois recipientes de água de 5 litros cada, que garantirão mesmo em situações críticas, uma temperatura boa de funcionamento do motor.

 c- Para cada radiador existem Cowl Flaps com comando interno, que devem ser usados na decolagem.

 d- Para cada radiador, existem 3 entradas de ar tipo NACA, sendo que 2 delas podem ser fechadas, melhorando desta maneira a aerodinâmica em vôo cruzeiro, uma vez que nesta situação apenas uma delas deverá ser suficiente para a refrigeração, porém também pode-se voar com todas abertas.

 e- Será usado aditivo anticongelante no sistema de refrigeração, de forma a evitar danos ao motor e radiador em situações de extremo frio.

6- Berço do motor

 O berço que fixa as hélices é solidário com o motor, evitando desta forma existirem movimentos relativos entre eles, que fatalmente comprometeria o conjunto.

7- Recursos para decolagem curta

( O Canard não tem vento soprado )

a- O Canard além de ter o profundor móvel, poderá ter sua incidência aumentada de dentro da cabina, de forma a permitir uma maior autoridade de comando a velocidades menores.

 b- Haverá 2 freios aerodinâmicos, nos Winglets, e parte superior da fuselagem, que poderão ser usados na decolagem, por um curto espaço de tempo ( 1 ou 2 segundos ), de forma a gerar um momento cabrador na aeronave, permitindo assim um alívio na carga sobre o Canard, e desta forma fazê-lo rodar.

 c- No motor, existe a opção de um acréscimo de potência emergencial de 50%, através da válvula reguladora do turbo.

8- Habitáculo

 a- A instrumentação é Full IFR, com piloto automático.

 b- Os bancos terão uma inclinação de 30 graus, de forma a propiciar uma autonomia de 10 horas também ao piloto, e não apenas à aeronave.

 c- O aquecimento será feito por sistema de queima de gasolina "Jenitron", já adquirido, que permite boa eficiência.

 d- Todos os ocupantes têm espaços para esticar as pernas, e a largura da cabina é de 1050mm.

9- Dados da aeronave

 Motores ( 2 com turbo ) è 116 HP/cada com zero pressão do turbo

Envergadura è 10 metros

Carga Alar è 80 Kgf/m2

Peso vazio è 900 Kgf

Peso máximo è 1450 Kgf

Velocidade de estol è 70 MPH

Velocidade cruzeiro è 185 MPH

Distância de decolagem è 350 metros

Distância de aterrissagem è 320 metros