AVIÕES ANFÍBIOS

Por Eduardo Hilton

 

Recentemente em uma ligação telefônica me fizeram uma pergunta. Seria possível transformar um KR-EH AC em uma aeronave anfíbia? Pensei um pouco e falei que sim. Porém algumas coisas teriam que ser mudadas. Reforços na longarina da cauda, berço de motor entre outras coisinhas.

O Brasil é rico em costas quer seja de água doce ou água salgada possuindo muitos rios e lagos que permitiriam a operação de uma aeronave anfíbia. Pensando nisso comecei a pensar em todos os cuidados que existem em se fazer uma aeronave anfíbia, o que acabou resultando no texto que segue abaixo.

Existem dois tipos de aeronaves anfíbias, ou seja, que podem pousar na água e na terra; Uma, com duplo flutuador e a outra com casco incorporado à fuselagem. Para o caso em análise, será comentado sobre as aeronaves com duplo flutuador, ou seja, uma aeronave simples que passam a possuir a capacidade anfíbia.


O avião anfíbio requer um cuidado maior durante os pousos e decolagem na água. O esquecimento do trem de pouso abaixado durante uma amerissagem pode resultar em uma pilonagem e conseqüentemente um banho inesperado ao piloto, sem falar nos danos materiais. Porém pode-se ir a lugar que outros nem pensariam, salvo se com um helicóptero. A Aeronave de asa alta permite uma melhor visualização na hora do pouso e para a escolha do lugar a ser utilizado para o pouso, porém a aeronave de asa baixa se presta também para esta finalidade. Para fazer a transformação de uma aeronave terrestre em anfíbia, são necessários alguns cuidados.


Como primeiro ponto, está a colocação de um flutuador na aeronave. Os flutuadores já foram exaustivamente ensaiados, pela antiga NACA. Normalmente na parte de cima do flutuador é colocado um material anti-deslisante, já que normalmente após o pouso esta parte estará molhada e desta forma escorregadio. Na foto da aeronave de asa alta, pode-se perceber a faixa escura na parte de cima do flutuador que possui uma superfície áspera e evita banhos indesejáveis.

Quanto à parte de baixo do flutuador, muito já se foi tentado, entretanto como a NACA já testou várias opções atualmente já se conhece o que funciona bem e o que não funciona.

O Flat e o Côncavo, não devem ser utilizados em aeronaves já que as cargas de pouso podem ser muito elevadas nas operações. O “V” e o “V” profundo (deep V), diferem ao se levar em consideração o tipo de água escolhido para o maior parte do tempo. Para águas calmas, o “V” pode ser usado, porém para águas mais agitadas ou mar aberto, o “V” profundo é o mais indicado. Entretanto o “V” com concavidade (concave vee) é mais progressivo, já que durante o afundamento do flutuador no pouso, ele ao atingir cotas mais elevadas se torna mais plano, resistindo mais ao “mergulho”. Por isso é um dos mais utilizados. O de múltiplas concavidades (vee with multiples concavities), faz a mesma função, porém em degraus, ou seja, vai gradativamente aumentando a sua carga de flutuação e dificultando o seu afundamento a medida que vai ficando submerso. Normalmente é o mais indicado às aeronaves com maior peso, nada impede, no entanto de ser utilizado por aeronaves menores. Estas concavidades ajudam também na redução do “spray” de água que sai do flutuador e pode chegar à hélice. O “spray” é uma realidade, e se atingir uma hélice de madeira em pleno funcionamento por poucos segundos apenas e se esta não estiver protegida por uma blindagem, pode facilmente “arrancar” um a dois centímetros do bordo de ataque da pá. Daí a necessidade de uma blindagem para as hélices de madeira, preferencialmente com inox.

Para controlar a ocorrência do “spray” sobre a hélice, é normal se utilizar aparadores de “spray”, que direcionam o jato de água para baixo.

 


O flutuador, juntamente com o nome de seus “componentes” pode ser visto na figura que segue. Uma parte importante é o “deck”, que é onde se pisa para entrar ou sair da aeronave. Este local deve ser reforçado para suportar o peso de constantes movimentações sobre ele. Outro fato, é que neste local deve-se colocar um piso que evite escorregões. Normalmente se usa um piso em forma de lixa. Isso evita banhos fora da programação antes de um vôo. O “skeg” funciona como uma quilha de apoio. Normalmente não existe quando houver trem de pouso, pois a roda ocupa justamente esta posição. No caso de não haver rodas, é importante esta terminação reforçada, pois o flutuador se apoiará nele, será arrastado com esta parte tocando ao chão, etc. O “chine” é a borda do caso e onde estão os aparadores de spay vistos na figura anterior. O “keel”, é a quilha, o vinco central do casco. Deve-se reforçá-la para poder raspar na areia e pedras em caso de paradas nas margens de rios e represas. As rodas deves ser usada preferencialmente para a aproximação se existirem. Em toda esta parte do casco, no caso de uma construção, deve ser dada especial atenção, pois as cargas da água sobre o casco durante um pouso são acentuadas. O “sister keelson” é uma sobre quilha, um dispositivo de “sustentação” para a água. Durante a corrida na água, este dispositivo ajuda a produzir forças para elevar a aeronave, são também conhecidos por “spay rails” muito usados em barcos, e servem também para aparar os “sprays” de água. Seu formato pode ser visto na figura onde mostra os tipos de flutuadores existentes, no flutuador “vee with multiple concavities”. O “bow” é uma peça arredondada, que pode ser de borracha e possui a finalidade de receber pequenos impactos na atracagem. O “water rudder” é o leme de água, muito importante para manobras na água com baixa velocidade. Sem ele é extremamente difícil manobrar corretamente uma aeronave anfíbia, isso para não dizer que é quase impossível.


Na ilustração ao lado, é possível visualizar o seu abaixamento para atuar na água. O seu acionamento como leme é normalmente feito através de cabos que normalmente passam por dentro do flutuador ou por fora com revestimento resistente a impacto de objetos ou “pissões” dos tripulantes e passageiros.

As duas ilustrações que seguem mostram as diferenças entre um flutuador sem o trem de pouso terrestre e com este. Basicamente eles são muito parecidos, no entanto, no caso da existência do trem de pouso existem compartimento totalmente isolado das outras partes para evitar o imundamento do flutuador.


Todos os compartimentos devem ser independentes e não deve haver comunicação entre eles. Existem flutuadores que possuem comunicação entre os diversos compartimentos, mas no caso de um deles furar, o avião pode adernar e  tombar por este lado. Os compartimentos devem ser preferencialmente pequenos de forma que no caso de rompimento de um deles, o flutuador afunde pouco. Caso o flutuador tenha um afundamento muito grande, a aeronave inclinará muito para o lado e haverá uma transferência da carga para o flutuador danificado, que por sua vez acabará inclinando mais ainda, colocando a aeronave em risco.

Existem dois pontos do flutuador que são críticos em termos de cargas;

Um deles é a região do degrau. Este local pode estar sujeito a grandes cargas, principalmente em decolagens em águas revoltas. O outro é na parta curva da frente do flutuador. Quando a velocidade já é menor, existe o afundamento da frente do flutuador e nesta hora as cargas exercidas pela água nesta região passam a ser muito grande.

Para as aeronaves que disponham de trem de pouso no flutuador, existe a necessidade de uma atenção muito grande quanto à retração deste. Uma alavanca de acionamento com marcas bem definidas de forma a evitar confusão durante o pouso, é importante. Assim como na aeronave terrestre com trem de pouso retrátil, onde no caso de esquecimento do trem “em cima” em um pouso, haverá o risco de grandes estragos na aeronave.  No caso das anfíbias, esquecer o trem de pouso “embaixo” durante o pouso sobre a água, fatalmente terá como conseqüência o pilonamento da aeronave. Se os flutuadores estiverem bem feitos, e não houver a entrada de água inclusive por cima deste, a aeronave ficará flutuando pelos flutuadores, mas totalmente em baixo da água e de cabeça para baixo. Somente os flutuadores permanecerão em cima da água. Para desvirar a aeronave, deverá ser estudada com cuidado a situação, mas uma opção é fazer furos na frente do flutuador, isso no caso de não haver aberturas próprias nos compartimentos, inundando o compartimento dianteiro. Com isso a aeronave deverá ficar apontada para baixo. Com auxílio de uma corda amarrada na cauda desta (amarrar antes de fazer o afundamento da frente), é possível fazer ele dar um tombo por baixo de água e subir de ré em uma rampa.

Uma aeronave anfíbia pode escolher uma gama de locais para pouso muito maior que uma outra aeronave norma. A colocação de um flutuador pode permitir um ganho muito grande de mobilidade, no entanto alguns detalhes devem ser pensados para a aeronave nesta adaptação.


A primeira dela é a colocação de uma aleta ventral, ou seja, uma aba na parte de baixo do cone de cauda, que ajudará a compensar a área grande do profundor à frente do CG. No caso de vento lateral, a área adicional proveniente da colocação do flutuador, poderá fazer com que a aeronave “saia do vento”, quando deveria esta “entrando no vento”, fora isso, sua estabilidade direcional poderia ficar comprometida. Com a adição desta aleta ventral, a aeronave tende a voltar ao seu comportamento normal.


Outro detalhe é quanto à estrutura de sustentação da aeronave. Ela deve ser feita com tubos e travadas com arames de inox perfilado. Esta estrutura deve ser bem robusta e leva. A foto do Caravam mostrada anteriormente pode dar uma idéia de como ela deva ser.   O desenho que segue dá uma idéia como ficaria o KR-EH AC, cuja pergunta originou este artigo.

Existe também uma angulação que deve existir entre a asa e o flutuador. Esta angulação garantirá uma posição bastante boa quando entrar em contato com a água e durante a decolagem ira permitir que a asa atinja um grau mais favorável. Normalmente este ângulo fica por volta de 4 graus. A posição do degrau fica recuada em relação ao CG da aeronave. Para a determinação deste deve ser levado em consideração o CG mais traseiro e o valor pode ficar em aproximadamente 12 graus. Vale lembrar que o CG dianteiro original da aeronave deverá ser revisto. O flutuador, já foi muito estudado pela NACA nos EUA e desta forma possui uma forma que se for obedecida dará bons resultados durante o vôo e durante as operações na água.

Outro cuidado é que ele também possui um determinado peso, o que fará com que a aeronave possa ficar com o CG fora de sua especificação normal. Com isso o balanceamento passa a ser feito colocando peso dentro dos compartimentos do tanque de flutuação da aeronave.  Se por qualquer motivo o CG ficar um pouco fora devido a algum carregamento especial, os compartimentos das pontas podem inclusive ser cheio de água a fim de fazer o acerto necessário para um dado momento.

Tendo em vista que uma aeronave anfíbia permite o pouso em lugares remotos onde o combustível pode não ser de fácil obtenção, existe a possibilidade de ser fazer um compartimento no flutuador e no CG da aeronave para levar combustível em galão compatível com o compartimento, muitas vezes feito especialmente para este fim com um desenho singular. Neste compartimento também é possível levar carga, entretanto o fechamento de sua comporta deve ser perfeito, não deixando a água entrar, mesmo se virar o flutuador de cabeça para baixo. Fora isso, é só não esquecer de levar o velho e salvador remo.